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Artigo – Espectro da milícia ronda o STF


Um espectro ronda os corredores do Supremo Tribunal Federal, o espectro das milícias. Ministros que prescidem das leis para fazer justiça podem estar empreendendo a mesma trajetória de policiais (da reserva e da ativa) que se uniram para fazer Justiça com as próprias mãos, quando entenderam que o arcabouço jurídico estava facilitando a vida de bandidos. Cansados de ouvir “a Polícia prende, a Justiça solta”, de agir como se estivessem enxugando gelo, partiram para a ação.

No início, houve uma condescendência geral da própria comunidade. Reféns da brutalidade do crime organizado, as pessoas aplaudiram até mesmo os assassinatos de bandidos por aqueles que passaram a fazer o enfrentamento aos traficantes, coisa que seria tarefa do poder público, que falhou miseravelmente nesta missão. A milícia, no início de suas atividades, era muito bem-vinda, como uma nesga de segurança, um fiapo de esperança numa zona conflagrada.

Com o desenvolvimento das ações, os milicianos foram ampliando suas atividades, sempre ao arrepio da lei. Começaram a cobrar pela segurança, pois tudo tem um preço. Até mesmo a parte para o arrego, distribuído para policiais da ativa com o fim de encobrir seus crimes, antes restritos ao combate de pequenos e grandes criminosos. Como não há medida para a ambição, a milícia foi ampliando seu raio de ação. Qualquer comércio da comunidade precisava pagar um pedágio, uma espécie de alvará de funcionamento.

Milicianos saíram de meros cobradores de serviços e passaram a empreender. Na área de transporte (topics), de distribuição de gás, água, streaming, passando a sufocar a comunidade. E aconteceu o inevitável, tomaram o lugar de bandidos, evoluindo para as narcomilícias. São hoje tão bandidos quanto aqueles que incialmente combatiam. A atividade fora da lei, para o bem comum, era um experimento que poderia ser uma solução. Hoje, não só faz parte do problema, é um dos maiores.

O espírito miliciano não se restringe às comunidades do Rio de Janeiro. Assim como as facções, que agem como franquia em todo o território nacional, expandem seus tentáculos pelos poderes estabelecidos, seja no Executivo, seja no Legislativo, seja no Judiciário. O que tem se verificado nos últimos dias no STF é uma alegoria da milícia com forte paralelismo entre ações, conceitos e objetivos. Oxalá, não descambem para o mesmo destino.

Tal qual os justiceiros cariocas, ministros togados, perceberam o então presidente, cujo mandato se encerrou no ano passado, como uma ameaça feroz à democracia. Advindo do Exército, força que governou num regime de exceção, o ex-capitão seria a cabeça de um movimento de recesso democrático, que levaria o país, inexoravelmente, de volta à ditadura. Tudo deveria ser feito, mesmo ao arrepio da lei, para evitar esse desastre. Todos estavam imbuídos do mais alto sentimento público.

Assim como as milícias, começaram com pequenos desvios, como impedir que o presidente nomeasse alguém para um cargo de livre indicação, tirando prerrogativas garantidas pela Lei, tirando a soberania do voto popular. Depois prenderam um deputado, em sua casa, de noite, por falas, e inventaram um flagrante continuado por constar em vídeo exposto na internet. Feriram frontalmente todo o artigo 53 (Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos).

Subjugaram o Congresso, que também aceitou os desvios constitucionais, já que era comum o inimigo a ser combatido. Afinal, o deputado atingido pela arbitrariedade não era mesmo boa bisca. Mesmo que assim fosse, caberia ao Congresso tirar-lhe o mandato. Depois partiram para cima de outro artigo da Constituição, o quinto, que trata das liberdades de expressão e imprensa. A liberdade não é um bem absoluto, mas nunca foi tão relativizada. Vozes silenciadas, tanto quanto no regime militar.

Passo a passo, foram esgarçando o tecido constitucional. De tão puída, já precisamos de uma nova roupa para Constituição. Assim como no início da era miliciana, quando soltaram fogos para ações à margem da lei, imaginava-se seria por um período curto, só enquanto se colocava ordem na bagunça a afastar o perigo antidemocrático. Carmem Lúcia, num voto vexatório, vocalizou o desmando. Votou pela censura prévia, proibida explicitamente pela Carta Magna. Medida “excepcionalíssima”, justificou a ministra, ressuscitando o Cala a Boca.

A ministra disse que era só até o fim das eleições. Esse período já passou, já estamos a mais de 10 meses de novo governo, sem que tenha havido qualquer abalo institucional, por mais que queiram dar gravidade aos tresloucados gestos do 8 de janeiro. Ainda assim, continuam as excepcionalidades. Não apenas pelos julgamentos sumários, com direito de defesa mitigado. Persiste o embate com o Ministério Público. E vemos o STF usado como arma de vingança contra supostos antagonistas em banais discussões em aeroportos. Quem tem boca vai a Roma.

Que não venham a se transformar em milicianos do Judiciário, fazendo Justiça com suas próprias togas. A expressão “estado democrático” é complementada com outra “de direito”. No momento em que o direito é deixado de lado, com ações margeando a lei, é também um ato antidemocrático, mesmo vindo da excelsa corte.


Assista ao comentário, um recorte do Café com Cléver, programa veiculado nas rádios:
Paraíso FM (Sobral)
Pioneira AM (Forquilha)
FM Cultura (Aracatiaçu)
Brisa FM (Tianguá)
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